
A ABPF inicia mais um capítulo de sua história: a preservação de locomotivas diesel de “segunda geração”, as primeiras adquiridas pela então RFFSA em meados da década de 1960 e que significaram também a conclusão do processo de dieselização da frota.
Essas locomotivas, agora com quase 60 anos de idade são o testemunho de uma época de inovação da indústria ferroviária e de modernização e expansão de capacidade das ferrovias brasileiras, tendo tido papel importante no transporte de cargas por cerca de 40 anos.
Após cerca de um ano de negociações, acertos técnicos e burocráticos, a associação é hoje proprietária de três locomotivas SD38M que serão devidamente preservadas e utilizadas a frente de seus trens turísticos/culturais.
Esse é o resultado do esforço e dedicação de membros da associação, que sempre estão atentos ao cenário das ferrovias brasileiras e se antecipam ao processo de desativação total de modelos de locomotivas e consequente baixa, garantido então a preservação de exemplares para a posteridade, disponibilizando-os também para a comunidade, que poderá conhece-los e embarcar em trens por eles tracionados.
É um enorme “trabalho de bastidores”, que absorve grande parte do tempo e exige grande dedicação, indo desde o levantamento de informações, deslocamentos até os mais diversos locais afim de se verificar o real estado das locomotivas e negociações que no fim resultam em mais uma grande conquista da ABPF e para a preservação da memória ferroviária nacional.
BREVE HISTÓRICO
Em meados da década de 1960 diante da necessidade de ampliação da frota de locomotivas diesel nas linhas de bitola larga da antiga EFCB, a RFFSA adquiriu 69 locomotivas nos Estados Unidos, sendo 49 unidades para serviço pesado de transporte de cargas e 20 para serviços de leves e manobras.
Para o serviço pesado, foram adquiridas 45 unidades do modelo SD38M e quatro unidades do modelo SD40M, o que representou a chegada no Brasil da que ficou conhecida como “a segunda geração de locomotivas diesel”, equipadas com o novo motor 645E3 de 16 cilindros além da transmissão elétrica mista em corrente alternada e corrente contínua (CA/CC), onde o tradicional gerador CC foi substituído por um alternador CA, gerando uma corrente alternada que depois é retificada para os motores de tração CC, oferecendo diversas vantagens em relação ao sistema antigo quanto à maior precisão de controle e economia de manutenção.
As SD38M foram fabricadas na fábrica da EMD em La Grange, nos Estados Unidos, entre fevereiro e abril de 1967. Fato que merece destaque é que essas foram as primeiras locomotivas SD38 a saírem daquela fábrica, sendo concluídas antes das primeiras destinadas ao mercado interno daquele país.

O modelo brasileiro foi construído com o estrado mais curto, de 17,32m utilizado até então nas SD35 americanas ao invés do estrado de 19,7m padronizado para a linha de locomotivas SD de segunda geração, o que motivou a designação SD38M, ficando então o peso dessas locomotivas “brasileiras em 163 toneladas. Não se sabe ao certo qual foi o motivo de ter sido utilizado o estrado mais curto nas locomotivas da RFFSA mas, como consequência foi necessário usar escadas verticais simplificadas pois em curvas de menor raio os truques encostariam nas escadas padrão utilizadas pela EMD naquela época.
Inicialmente, essas locomotivas foram numeradas de 3601 a 3645, ficando baseadas inicialmente em Conselheiro Lafaiete junto com as SD18.
Com seus 2.000HP de potência, elas foram por um bom tempo as principais locomotivas da frota, estando a frente dos pesados trens de carga geral e graneis diversos, sendo que no final da década de 1960 as SD38M juntamente com as demais GM existentes ficaram praticamente por conta do transporte de granéis e produtos siderúrgicos, haja visto o grande crescimento desse setor no país, algo que se ampliou ainda mais no início da década seguinte, com a implantação do Projeto Águas Claras. As SD38M chegaram também a tracionar trens de passageiros, como o DP1 “Santa Cruz”. Na década de 1980, com a implantação do sistema SIGO, foram renumeradas como 5101 a 5144 (a 3612 foi baixada em 1978, antes da implantação do SIGO).
O uso intenso dessas locomotivas na década de 1970 e 80 motivou um programa de reforma e melhoramentos que ficou conhecido como “Prolocos”, onde entre 1987 e 1988 diversas SD38M passaram por esse processo na Villares, em Araraquara, que naquele período era licenciada pela GM para fabricação de locomotivas daquela no Brasil. Dentre os trabalhos efetuados, destaca-se a revisão completa dos motores conforme o padrão mais recente da GM naquele momento.
O protagonismo dessas locomotivas atravessou décadas, tanto que em 1996 quando a MRS assumiu a Malha Sudeste da RFFSA em uma de suas primeiras ações providenciou a recuperação de várias unidades que se encontravam fora de serviço, contratando os serviços da Tecfer para reforma e extensão de vida útil de 12 locomotivas, serviço esse realizado nas dependências da oficina do Horto Florestal em Belo Horizonte, MG em parceria com as empresas norte-americanas Montana Rail Link e Hatch & Kirk.
Sendo ainda locomotivas muito necessárias às operações, mais algumas SD38M passaram pelo mesmo processo ao longo da primeira década do século XXI, serviço realizado dessa vez em Cruzeiro, SP pela antiga CCC. As SD38M continuavam sendo importantes no parque de tração, liderando trens de carga geral e granéis diversos, circulando em praticamente toda a malha, desde Linha do Centro, baixada Fluminense e Ramal de São Paulo, além das linhas da antiga EFSJ, entre Jundiaí e Paranapiacaba.

Com a renovação da frota iniciada pela MRS naquela mesma década, aos poucos as SD38M foram sendo substituídas, sendo retiradas da liderança dos trens mais pesados, passando a atuar junto aos trens mais leves e de serviços, além de manobras.
A década de 2010 marca a grande expansão da frota de locomotivas novas, com a chegada das AC44i, deixando disponíveis então para os trens mais leves as locomotivas SD40-2, C30-7, C36ME e até as novas C44EMi, ficando as SD38M então cada vez mais destacadas apenas para trens de serviço.
Com mais de 50 anos de uso, baixa potência e eficiência energética em relação aos padrões atuais, começaram a ser desativadas, restando hoje apenas cerca de 10 unidades utilizadas apenas em trens de serviço.
A ABPF sempre atenta viu a necessidade de se preservar unidades desse modelo antes da desativação total e, com isso, iniciou em 2024 uma negociação com a MRS que resultou na aquisição de três unidades para preservação e utilização a frente de seus trens turísticos/culturais.

A AQUISIÇÃO
A aquisição dessas locomotivas foi um longo processo, que levou mais de um ano com algumas pessoas envolvidas aqui dentro, em especial o Felipe Sanches, que passou dias viajando visitando diversos pátios ao longo de toda a malha da MRS para inspecionar minuciosamente cada uma das locomotivas que a MRS disponibilizou. Foram diversas SD38M inspecionadas, sendo feitos relatórios fotográficos e técnicos. Com todas as locomotivas inspecionadas, chegou a hora de se avaliar quais seriam as melhores opções; para isso foi montado um pequeno comitê para analisar relatório por relatório; foi preciso sentar e discutir quais parâmetros iriam ser levados em consideração para selecionar, quantas viriam, etc. Chegado num consenso de quais seriam os principais parâmetros para selecionar (os principais foram estado do de motor diesel, geradores, compressor e rodas, nessa ordem), foram selecionadas as três unidades e, a partir daí, veio a longa negociação com a concessionária.
Quando chegou-se em um acordo veio a parte burocrática, com diversas idas e vindas de contrato envolvendo inclusive o jurídico de todas as partes envolvidas, sendo necessário inclusive passar pela ANTT em Brasília. Vencida essa etapa finalmente chegou o dia de assinar o contrato, realizar o pagamento e aguardar a entrega que, diga-se de passagem foi surpreendente, sendo feita de forma muito rápida. Antes da entrega, as locomotivas foram revisadas pela MRS em suas oficinas.

Agora as locomotivas 5101, 5114 e 5137 já estão no pátio da ABPF em Cruzeiro, SP onde passarão por um ceck-up adicional e receberão uma nova pintura, com os padrões da RFFSA. Em breve espera-se ter uma delas operando em Guararema.
REFERÊNCIAS BIBLIOGRÁFICAS:
COELHO, Eduardo J. J.; SETTI, João Bosco. A era diesel na EFCB. Rio de Janeiro: Associação dos Engenheiros Ferroviários (AENFER), 1994.
BUZELIN, José Emílio de Castro H.; COELHO, Eduardo José de Jesus; SETTI, João Bosco. MRS Logística S.A.: A ferrovia de Minas, Rio e São Paulo. Rio de Janeiro: Memória do Trem, 2002.




























